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Jornal Gazeta do Povo - Curitiba- Paraná
Jovens protestam após serem barrados na entrada do Palladium
Publicado em 26/05/2008 Pollianna Milan
Cerca de 150 adolescentes, vestidos com bermudas largas, alguns com camisetas de time de futebol e com o famoso tubão – refrigerante misturado a bebida alcoólica – nas mãos, fizeram uma manifestação ontem em frente do Shopping Palladium. Eles queriam entrar no estabelecimento, mas foram barrados pelos seguranças, o que teria provocado a confusão.
Reunidos nas escadarias que dão acesso ao Palladium, os adolescentes se abraçaram e começaram a gritar “chama a polícia que o terror chegou” e “faz um teste, somos da zona sul e leste”.O jovem David Rodrigo de Souza, que fazia parte do grupo, disse que eles queriam entrar pacificamente para visitar o novo shopping, mas foram impedidos pelos seguranças. Ivo Ferreira Júnior, que estava com Souza, garantiu que o grupo não pretendia fazer bagunça. “Estamos aqui apenas para passear”, disse.
Consumidores que passavam pelo local ficaram assustados e alguns desistiram de entrar no estabelecimento. “Eu estou indo porque o policial militar garantiu que não iria acontecer nada”, afirmou Ana Paula Andolfato.
De acordo com a assessoria do Palladium, os adolescentes foram barrados porque estavam em grupo. “Não é permito circular pelos corredores do shopping grupos de mais de cinco pessoas e também quem está vestindo camisetas de time de futebol”, explicou a assessoria. Os adolescentes também teriam recusado a proposta de dispersão do grupo para que a entrada no shopping fosse autorizada. O bloqueio dos adolescentes teria sido uma medida preventiva para evitar um possível arrastão, de acordo com uma denúncia recebida pelo shopping.
Dois policiais militares estavam no local. “Não podemos barrar o direito do cidadão de ir e vir. Por isso, agimos somente quando necessário”, disse um policial, que preferiu não ser identificado.
Os adolescentes afirmaram que fazem parte de um grupo que se reúne aos domingos para conversar. Eles moram nos bairros Cidade Industrial, Pinheirinho e Sítio Cercado. Normalmente eles se encontram em frente do Shopping Estação, mas ontem decidiram ir ao Palladium para ver o novo lugar.
As faces do subúrbio
Eles usam roupas largas, moram longe, ganham pouco e se apresentam como moradores do Norte, Sul, Leste e Oeste, terminologia adotada para traduzir uma cidade que não se divide em bairros, mas em bolsões de pobreza
Publicado em 01/06/2008 João Natal Bertotti, José Carlos Fernandes e Themys Cabral
Faz um teste. Somos da Zona Sul e Oeste.” O grito de guerra dado por cerca de 150 jovens e adolescentes barrados, domingo passado, na entrada do Shopping Palladium, soou estranho no ouvido da população acostumada a dividir a cidade em bairros. Curitibano da gema é das Mercês, do Pinheirinho, da Água Verde, do Cajuru. Mas eis que, de repente, quem estava por perto da muvuca se sentiu em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Nessas megacidades, os pontos cardeais são uma espécie de resumo da ópera: traduzem as linhas de trens e ônibus, as áreas de tráfico, o valor do lote e se o morador é suburbano ou usa tailleur. Resta saber se a capital do estado se rendeu ou não a essa ordem.
A depender da resposta, é hora de parar as máquinas. Curitiba ficou conhecida pela mão pesada com que a administração pública impõe seus projetos urbanísticos. E uma dessas imposições é justamente o funcionamento do território. Para a prefeitura, os 75 bairros da capital estão divididos em nove regionais. E não se fala mais nisso. Mas a cantoria dos garotos do Palladium, leva a crer que existe uma cidade subterrânea, que se organiza à sua moda, tem seus líderes, movimentos culturais e – como se vê agora – gogó bom o bastante para fazer se ouvir.
A reportagem recorreu a geógrafos, antropólogos, sociólogos e chegou a uma conclusão digna de deixar boquiaberto. Para qualquer pesquisador que já tenha um dia se debruçado sobre a periferia de Curitiba, é absolutamente familiar falar em Zona Leste ou Zona Sul. O que não há, ainda, é uma explicação satisfatória para o fortalecimento de uma nomenclatura sem registros na tradição da cidade. Hipóteses não faltam. Uma delas é que a divisão em “zonas” foi popularizada pelas próprias linhas de ônibus. Quem não usa não sabe.
As demais derivam dessa tese: torcidas organizadas adotaram a onda e até travam guerras com quem habita o outro ponto do mapa. “Existe até o território dos flanelinhas, por que não existiria o dos jovens da periferia? A reação dos jovens do Palladium não espanta”, diz o geógrafo Francisco Mendonça, da UFPR.
Nada mais natural para uma cidade com 1,7 milhão de habitantes, trânsito pesado e com 20% da população favelizada. As condições de pobreza – até que prove o contrário – favorecem a desobediência civil à regra das regionais, hoje meros espaços administrativos, com pouco espaço no coração da população. A incursão da reportagem por áreas pobres do Norte, Sul, Leste e Oeste esta semana confirma que moradores de ocupação ou próximos a elas desfrutam de poucos espaços de lazer, quase não saem de casa e encontram na defesa do seu território uma forma de recuperar o orgulho e o amor-próprio.
Não é o único elemento. Na última década, o movimento hip-hop fincou raízes, principalmente nos bolsões e bairros cujo rendimento familiar mediano raramente ultrapassa 3,5 salários por família e onde a faixa jovem (15 a 29 anos) pode chegar a 40% da população. O culto à “zona própria”, como se sabe, é uma das marcas da cultura do gueto. É uma forma de poder – por mais arriscada que seja essa afirmação, como explica a cientista social Ana Luisa Fayet Sallas, da UFPR, autoridade em assuntos de juventude. “É um grupo de poder? Com certeza é. Mas temos que ver com relação a quê. O jovem da periferia não está organizado como grupo, mas se vê como população em déficit. Isso vem à tona em momentos como esse.”
Pesquisa da Fundação Cultural de Curitiba realizada ano passado pela equipe do antropólogo Ozanam de Souza, nas Regionais Bairro Novo, CIC, Portão, Pinheirinho e parte do Cajuru identificou cerca de 50 grupos organizados. O levantamento ainda não atingiu as áreas Leste, Oeste e Norte, mas nessa proporção se pode chegar a 200 unidades. É um número bom o bastante para explicar a quantidade de jovens com o visual rapper – que tanto assusta os desavisados. “Uma pena, o hip-hop é uma estética. Ano passado, um grupo que estava na Bosque João Paulo II saiu dali para acompanhar a Parada Gay. A violência deles é simulada, um jogo-de-cena”, explica o antropólogo Ozanam.
O assunto é polêmico. O hip-hop é uma manifestação urbana legítima, resultado do avanço das cidades. Hoje, congrega até jovens evangélicos, rappers da fé. Mas pode também incorporar elementos da criminalidade, principalmente em lugares onde as políticas de segurança são falhas. As zonas Leste e Sul, por exemplo, lideram os índices de assassinatos na capital. O resultado é que nesses espaços os jovens temem ser confundidos com bandidos e ladrões. E é raro mesmo encontrar quem nunca tenha sofrido alguma forma de coerção. Não é errado afirmar que se sentir marginalizado tende a reforçar a idéia de que se vive fora dos muros da cidade.
Ou pelo menos fora do shopping – como aconteceu no último domingo. Dá na mesma. A capital em que tantos espaços de memória da população, como fábricas, estações de trem, quartéis, viraram templos de consumo, insiste na mensagem velada de que as construções são imensas, mas não o bastante. Como grita a rapaziada — “Faz um teste...”
Há uma tendência nas cidades, por estratégias sociais, da proliferação de guetos de elites (condomínios, clubes e shopping centers) e guetos de pobres (favelas, escolas públicas e hip-hop), afirma o sociólogo Nelson Rosário de Souza. “O shopping procura selecionar os seus clientes. A lógica destes locais é seletiva. Eles vendem isto para a classe média: a opção pela segregação social, uma extensão do condomínio.”
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Colaborou Eloá Cruz
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Barrados no shopping, de novo
Adolescentes da periferia de Curitiba não conseguem entrar no Palladium em grupos com mais de quatro
Publicado em 02/06/2008 Aline Perez
Como no último domingo de maio, os jovens vestidos com roupas características do movimento hip-hop – calções e camisetas largas, bonés e piercings pelo rosto – foram barrados quando tentavam entrar em grupos de mais de quatro pessoas no Shopping Palladium, no bairro do Portão, zona Sul de Curitiba. Pelo menos uma dezena de seguranças dispostos na entrada do prédio coibiram a chegada dos adolescentes, mantendo-os na calçada, na lateral do prédio.
O grande grupo estava vestido, na sua maioria, de azul claro e rosa bebê e chegava a mais de 100 pessoas, muitas provenientes da zona Oeste. Alguns estavam com garrafas de bebidas, que circulavam de mão em mão. Parte conseguiu entrar, usando o método de ultrapassar a barreira em duplas. Outros pediram autorização para a chefia de segurança e só foram liberados depois de analisados.
Os que entravam acabavam se reunindo em grupos sempre menores que cinco. Se burlassem a regra, um segurança pedia para se retirarem. Lá dentro, os adolescentes apenas passeavam pelos corredores, paravam no parapeito de vidro, conversavam com algum amigo, iam e viam na praça de alimentação. Poucos consumiam algum produto – a não ser no fliperama, onde alguns dos mais jovens arriscavam a sorte no jogo de basquete.
Apesar do clima de desconfiança, enquanto a reportagem da Gazeta do Povo esteve lá, houve apenas um incidente. Um segurança evitou uma briga entre um colega e um dos membros do movimento. Foi exigido ao rapaz que tirasse o pé da escadaria que dá acesso ao shopping. Pronto para a briga, só foi impedido pelo bom senso de outro segurança. No fim da tarde, a Gazeta do Povo procurou a assessoria de imprensa do shopping, mas foi informada que não havia ninguém para falar oficialmente.
Enquanto isso, o público que estava no shopping não pareceu – pela observação da reportagem – estar preocupado com a presença dos adolescentes – salvo alguns olhares desconfiados e algumas frases mostrando a surpresa pelo número expressivo de pessoas, mas nada que demonstrasse medo ou repulsa.
Diferenças
No Shopping Estação, a turma do hip-hop estava em menor número, era mais jovem e proveniente das zonas Norte e Sul. Circulavam sob os olhos atentos de seguranças, mas que se mantinham a distância. Brincys Hanna, de 13 anos, é um exemplo do público que freqüenta o local. É moradora do Boqueirão, que teoricamente a faria pertencer a zona Sul, mas se aliou à zona Norte por causa do namorado. Se veste à caráter – com todas as peças usuais de um guarda-roupa de menina do movimento hip-hop.
Para o vendedor Eduardo Lopes, 24, morador de Pinhais, é preciso ter cuidado quando se fala em movimento hip-hop. “Tem o povo da rua e o povo da cultura hip-hop”, alerta. Para ele o movimento cultura resolve a “treta” (briga) na dança, enquanto o da rua acaba optando pela briga corporal. “Para ser do movimento tem que ter humildade”, sentencia.
Saiba mais
http://www.gazetadopovo.com.br/ ( Vida e Cidadania)
Saiba mais sobre as divisões de Curitiba Eles querem é asfalto Nos bastidores da guerra O bagulho é mais embaixo Uma questão de estilo Acompanhe oito explicações para a divisão Grupos rivais travam guerra virtual no Orkut
Site de relacionamentos abriga comunidades de pichadores e “manos” das diversas regiões de Curitiba
Publicado em 03/06/2008 Rogerio Waldrigues Galindo
A divisão de Curitiba em zonas periféricas pode soar como uma novidade para a classe média da cidade: quem vive na área central dificilmente ouve falar no pessoal que se orgulha em ser da zona Oeste ou da zona Norte. Mas a separação, que ficou clara no protesto em frente do Shopping Palladium, quando os garotos barrados na entrada cantavam músicas dizendo ser da zona Oeste e da Sul, pode ser vista no computador. A internet – e mais precisamente o site de relacionamentos Orkut – é um ponto de encontro dos representantes de cada uma das regiões da cidade
Só na comunidade intitulada “Zona Oeste Curitiba” são mais de 1,7 mil usuários. Um dos assuntos que reuniu mais mensagens até o momento é a descrição de uma comunidade de pichadores. É a MPCity – “Mandando Pixos na City”. A turma se orgulha de ser a maior pichadora da zona Oeste.
Nos links, uma das comunidades relacionadas é a “Campina Muita Treta” – a turma do Campina da Siqueira que gosta de confusão. Outra comunidade é a “X@p@dos no Barigüi”. “Você adora ir pro Park Barigüi tomar um monte? Fica bem louco de golé ou xapado (sic) de outras coisas?” Quem faz isso pode entrar.
Na comunidade “Zona Sul Muita Treta”, a enquete mostra o grau de rivalidade com outras regiões: “Por que os borsa (sic) da Zona Norte só corre de nóis (sic) da Zona Sul?” A opção mais escolhida, com 124 votos, é: “Porque eles sabem que a zona Sul comanda.”
Na página da zona Sul, uma intrusa publicou um tópico em janeiro deste ano. “Zona Norte, Sul, Leste, Oeste, não faz diferença – Vileiros em geral são tudo um bando de maloqueiros, favelados, nojentos!” Os integrantes da comunidade se esmeraram em responder à “patricinha”. O primeiro comentário deu o tom: “Tem que dar risada duma patyzinha nojenta dessa. Fica nesse teu mundinho cor-de-rosa que uma hora a casa vai cair.”
Já as outras duas grandes regiões periféricas da cidade resolveram montar uma comunidade conjunta: “Essa comunidade aí é pra quem é da zona Norte e zona Leste... É nóis (sic), União da Morte...”, afirma o texto de apresentação.
Na comunidade exclusiva da zona Leste, a enquete pergunta qual é a área da cidade mais “dominada” pelo grupo. A resposta mais votada indica que é o bairro Cajuru. Até ontem, a imagem que ilustrava a página mostrava uma pessoa empunhando uma pistola e uma submetralhadora.
A comunidade da zona Norte, por sua vez, com mais de 1,2 mil membros, tem uma apresentação forte. “Zona Norte... O terror começa lá. Zona Norte. Não tem hora para acabar”. Pouco adiante, o dono da página afirma: “Com nós (sic) quem quiser. Contra nós quem puder”.